Agora, no momento em que lançamos no Brasil esta nova edição de Lutadoras. Histórias de mulheres que fizeram história, a crise econômica começa a sentir-se em todo o mundo com suspensões e demissões nas fábricas e aumentos de taxas que golpeam a economia de nossas casas. Inclusive me informei que em São José dos Campos, em São Paulo, a quarta maior empresa aeronáutica do mundo, a Embraer, demitiu 4270 trabalhadores e trabalhadoras, algo como 20% de todos os trabalhadores metalúrgicos-aeronáuticos. E que na General Motors desta cidade a luta segue contra os 870 demitidos, em sua maioria trabalhadores e trabalhadoras precarizados. Milhares de demissões nas indústrias, bancos e serviços já demonstram que a crise também chegou no Brasil, enquanto os analistas e governantes diziam que esse país estaria livre de suas consequências.
Os capitalistas declararam guerra a todas as trabalhadoras e trabalhadores do mundo. Neste ano, com as fortes tendências à depressão da economia mundial, haverá no planeta 20 novos milhões de desempregados e desempregadas e 200 milhões de pessoas passarão a viver na extrema pobreza. E a crise não é somente demissões: entre os que conservam seu emprego, serão 1.400 milhões de pessoas as que não receberão mais de dois dólares por dia.
O “auto-resgate” que o capitalismo está pagando para se salvar, em todo o mundo, já supera os 5 bilhões de dólares. Equivale a um pouco mais de dois dólares por dia por cada habitante do planeta, ou seja, o mesmo com o que sobrevivem desumanamente 2.500 de pessoas na atualidade!
Com esse “auto-resgate” que votaram os governos dos EUA e da Europa, também fica claro que os Estados não são mais que juntas de administração dos negócios capitalistas: com o que investiram para salvar os bancos poderiam haver começado a diminuir os problemas mais agudos de fome em todo o planeta.
Os capitalistas conseguiram seus enormes lucros às custas de nossa exploração e agora, são salvos pelo Estado enquanto querem que nós cubramos suas perdas.
Mas o impacto da crise não é igual para todos. Na América Latina, a taxa de desemprego é quase duas vezes maior entre as mulheres que entre os homens e 60% das mulheres que trabalham o fazem em brutais condições de precarização.
Nas 3 mil zonas francas que há no mundo – onde os empresários podem encher seus bolsos sem pagar impostos – trabalham mais de 40 milhões de pessoas, sem nenhum direito. E 80% são mulheres que têm entre 14 e 28 anos.
A crise econômica também aprofundará ainda mais a crise alimentar que já com o aumento exorbitante dos preços dos alimentos dos últimos anos, eleva a 950 milhões a cifra de pessoas desnutridas no mundo.
As mulheres, que são as que produzem a metade dos alimentos do planeta, possuem apenas 2% da terra. Enquanto isso, os grandes pulpos multinacionais introduzem os cultivos transgênicos, desmatando bosques, esgotando a fertilidade do solo, propagando o uso de agentes tóxicos e condenando espécies animais à extinção.
Com a crise econômica, além disso, se reduzirão as supostas “ajudas humanitárias” com os quais os países imperialistas tentam diminuir as catástrofes que, o próprio capitalismo provoca com sua depredação dos recursos naturais e do meio ambiente. E também se reduzirão os orçamentos para saúde, educação e outros serviços sociais, fazendo recair sobre a extenuante dupla jornada de trabalho das mulheres, ainda mais tarefas para a reprodução da vida.
O capitalismo não tem mais nada a nos oferecer do que a barbárie. A mais brutal das barbáries para as mulheres: a cada minuto uma mulher perde a vida no parto ou por complicações na gravidez. Somos 70% dos 900 milhões de analfabetos. A cada dia se praticam 500 mil abortos em condições insalubres e clandestinas no mundo, causando a morte de 70 mil mulheres. A cada ano, 4 milhões de mulheres e crianças são traficadas para a exploração sexual. Nesta época imperialista, onde tudo se compra e se vende, o tráfico de armas, drogas, órgãos e mulheres constituem os “negócios” mais rentáveis, que aumentarão ainda mais com a crise.
O corpo das mulheres não somente é objeto da escravidão sexual, da prostituição e da pornografia, mas também é um campo propício para uma rentável especulação científica: barrigas de aluguel, experimentos na reprodução artificial e uma propaganda penetrante e abusiva de modelos de beleza que se espera que possamos alcançar, mesmo com o risco de morrer em cirurgiais, lipo-aspirações e dietas anoréxicas.
Mas as mulheres trabalhadoras e do povo pobre, além de sofrer as piores consequências da crise, também se colocam de pé diante das catástrofes econômicas e sociais. Essas massas de mulheres anônimas que enfrentaram distintas crises, no transcorrer dos séculos, foram capazes de escrever o prólogo das mais heróicas páginas da história da humanidade. Isso porque, como dizia Trotsky, sempre lutam com mais energia e persistência pelo novo aqueles que mais sofreram com o velho.
Em 1934, no meio da grande recessão que viveu os EUA depois do crack da Bolsa de 1929 e que todos comparam com a crise atual, houve uma grande greve de caminhoneiros na cidade de Minneapolis. E o que tinha a ver as mulheres com uma greve de caminhoneiros? Dezenas de mulheres despenderam sua energia e abnegação desenvolvendo a autoorganização destes trabalhadores em sua luta. E o fizeram sob a iniciativa de duas mulheres trotskistas, Marvel Scholl e Clara Dunne, cuja história contamos neste livro, que organizaram o comitê auxiliar de mulheres, para envolver as esposas, namoradas, irmãs e mães dos trabalhadores em luta. Reuniram mais de mil voluntárias e voluntários que trabalharam em turnos de 12 horas para atender e servir comida a mais de 4 mil trabalhadores em greve e ativistas. Outras mulheres que trabalhavam nas empresas de transporte ou eram secretárias dos políticos patronais atuavam como espiãs, informando os grevistas do que discutiam os patrões contra ele. Inclusive chegaram a montar uma clínica com médicos/as e enfermeiros/as profissionais que trabalhavam voluntariamente, para que os grevistas feridos em seus enfrentamentos com a política, não fossem levados a hospitais onde poderiam ser detidos.
No meio dessa enorme crise econômica dos anos 1930, à Genora Johnson Dollinger, uma socialista norte-americana, lhe disseram que não havia que enfrentar-se com as direções do sindicato em greve contra a General Motors. E o que era que dizia o sindicato? O sindicato dizia que tinha que ter paciência e não ocupar a fábrica. Mas Genora venceu, porque conseguiu reunir mais de mil mulheres, esposas dos trabalhadores, distraindo a ação policial que vinha reprimir os trabalhadores. Venceu a advertência do burocrata sindical que lhe havia dito: “Se isto falhar, a reponsabilidade cairá sobre sua cabeça”.
Para nós, é importante que essas histórias sejam conhecidas, não somente para exercer a memória, mas pelas lições que podem servir para o presente.
Milhões de mulheres tem lutado por aumento de salário, contra o desemprego, por melhor condições de trabalho, por jornadas de trabalhos mais curtas... entretanto, estas mulheres e outras como estas atravessaram a história e seus nomes ressoam até nossos dias, por que desafiaram a ordem do possível.
E hoje a ordem que querem nos impor neoliberais e progressistas (e nisso estão todos de acordo), com o “senso comum” que querem impor em todo o mundo é que é necessário fazer um esforço comum... trabalhadores e capitalistas, para enfrentar a crise.
Milhares de trabalhadoras e trabalhadores, lutadoras de hoje sairão a luta quando as perspectivas sejam as do desemprego e da miséria que provocará a crise. Mas ainda hoje, em sua maioria, acreditam que é preciso fazer um esforço comum para enfrentá-la: que se aceitamos os rebaixamentos salariais, ou se aceitamos que demitam os trabalhadores e trabalhadoras terceirizados ou se apoiamos as medidas do governo contra os imigrantes... então, os capitalistas não terão tantas perdas e poderemos conservar o emprego.
A publicação de Lutadoras, no marco desta crise mundial, tem portanto um novo sentido, que é o de conhecer a história de algumas destas mulheres que saltaram os fossos do possível, o moderado, as reformas, a ordem estabelecida, o senso comum... e atrapalharam o governo, os partidos patronais, os traidores da classe operária, os burocratas sindicais acomodados em seus sofás...
Que as mulheres tenham chegado no poder, que tenhamos conquistado alguns direitos que não conheciamos no século passado, que algumas ocupem cargos nos parlamentos... não impede que a barbárie da pobreza, a opressão e a miséria de milhões de seres humanos... siga ocorrendo. Porque nem sequer todo os direitos que ganhamos com nossa luta podem subverter uma ordem baseada na mais profunda das desigualdades: que um punhado de capitalistas se enriqueçam às custas da exploração de milhões de seres humanos.
Por isso Lutadoras não tem as pretensões de uma obra literária ou acadêmica... estaria cumprido nosso anseio se o considerarem um livro militante, para contar a uma amiga, à companheira da fábrica ou da empresa, à jovem que senta ao lado na universidade e na escola. Desejamos que estas histórias cheguem às mulheres que hoje lutam, as que inevitavelmente sairám a lutar pelo seu destino no meio da crise mundial que, com seu cortejo de calamidades, nos ameaça, para convidá-las a transcender o horizonte do possível que nos querem impor e se atrever a escrever as páginas da história futura.
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